domingo, 22 de setembro de 2013

Os patrões da minha avó

Vou falar aqui de um assunto que me enjoa até às entranhas. Mas tenho de partilhar isto com alguém, e realmente isto dos blogs funciona como uma espécie de terapia, se bem que eu tenho a certeza de que nunca irei ultrapassar o que esta situação me causa.
A minha avó nasceu numa grande herdade alentejana, onde os funcionários não recebiam, trabalhavam de sol a sol e era-lhes dado o que vestir e o que comer. Os patrões eram donos e senhores, e naquele tempo (Salazar), ninguém ousava revoltar-se. A minha avó nunca estudou. Nunca frequentou um dia de escola. Naquele tempo, as meninas não iam à escola, muito menos as filhas dos trabalhadores da terra.
A minha avó começou a trabalhar aos 6 anos. Ela conta que às 4h da manhã já lhe estavam a tirar os lençóis para se levantar e trabalhar. E só acabava à noite. A vida dela foi isto. Entretanto, uma das filhas do patrão casou-se, e naquele tempo era usual as senhoras levarem as criadas que preferiam com elas. A dita senhora casou com um médico reputado do Porto. E assim foi. A minha avó, como boa escrava que nascera para ser, mudou-se para o Porto como empregada interna, para longe de toda a sua família. Entretanto a minha avó conheceu o homem com quem viria a casar, o meu avó, e deixou de ser empregada interna, mas trabalhava na mesma de sol a sol. Nessa altura, já ganhava pelo seu trabalho, no entanto, ganhava miseravelmente, mal dava para comer. A dita senhora, patroa da minha avó, que nunca foi muito boa da cabeça, suicidou-se. A minha avó criou os filhos dela como se fossem seus, aliás, dedicando muito mais tempo aos dela do que aos que viria a ter. A minha avó não teve férias a não ser de vez em quando uns dias em Agosto, e mesmo nesses, muitas vezes ia para a casa de praia deles trabalhar. A minha avó não teve direito a licenças de maternidade, dias de luto quando morreu o meu avó, nada. Aliás, a minha mãe conta que quando o meu avô morreu, com 42 anos, a minha avó foi trabalhar 1 dia depois.
O tempo foi passando e eu nasci. Para nos sustentar, a minha avó arranjou outro trabalho, para onde ia depois de ter trabalhado das 9h às 19h na casa dos primeiros patrões. Trabalhou nesse segundo sítio 8 anos. Essa pessoa, bem mais honesta, pagava melhor e inscreveu a minha avó na segurança social, fazendo todos os descontos obrigatórios por lei. Hoje a minha avó tem uma reforma de 200€ devido a esses 8 anos, porque se dependesse dos patrõezinhos dela, nunca teria, pois eles nunca fizeram o necessário e obrigatório por lei.
Hoje, a minha avó com 78 anos continua a trabalhar para eles entre as 9h e as 19h. Vai também aos fins-de-semana se houver alguma festa dos lordes (coisa frequente). A minha avó ganha cerca de 240€ a trabalhar para esta gente. Nunca ganhou mais do que isso.
Ela afirma que precisa de continuar a trabalhar para fazer face às suas contas, e para se sentir útil e não parar. Eu digo que se aqueles cabrões a tivessem inscrito na segurança social, hoje teria uma reforma mais decente, pelo que o dinheiro não seria o problema.
A minha avó tem síndrome de Estocolmo. Gosta mais daquela gente do que sei lá o quê, porque nunca conheceu outra realidade. Nunca soube a vida de outra forma.
Esses patrões dela, que cheios de dinheiro não lhe pagam um salário decente, impediam as outras crianças de brincar comigo porque eu era "neta da empregada", e me diziam que eu iria ser uma nulidade como a minha mãe.
Lindos patrões. A esses, só posso desejar a pior sorte possível na vida. O ódio e nojo que sinto dessa gente quase me cega e me impede de ser racional no que respeita a esse assunto.
Mas eu acredito que neste mundo, cá se faz, cá se paga.

7 comentários:

Anónimo disse...

o inferno é neste mundo, essa gente mete-me nojo

O meu pensamento viaja disse...

Que história triste e revoltante.
Acho que desabafar ajuda. Desabafa. Estás cheia de razão. Não imaginava que tal situação ocorresse atualmente.
Um grande beijinho.

Canephora disse...

Acredito que possa ser um complexo tipo "Estocolmo", mas já pensaste que ela foi criada, uma vida inteira a fazer algo que se tornou normal e que nem ela saberia fazer diferente.
Achas que, se quando ela tinha 40 anos lhe dissesse que um dia iriamos falar para umas coisas esquisitas e que nem fio nem energia de rede precisava ela acreditava?
Não!
Mas se lhe dissessem que ela ia trabalhar noutro lado e para outros... talvez respondesse, até pode ser, mas hei-de morrer a trabalhar para a menina "tal"

M. disse...

Credo, por o que a tua avó passou, deve de ser uma grande mulher.

Karina sem acento disse...

Ainda ontem comentei, se bem que por outras razões, que o mundo está podre, e isto é mais uma prova disso. Há realmente gentinha muito mesquinha, como essa gente.

Karina sem acento disse...

Ainda ontem comentei, se bem que por outras razões, que o mundo está podre, e isto é mais uma prova disso. Há realmente gentinha muito mesquinha, como essa gente.

Anónimo disse...

Como eu te entendo.

Fizeram o mesmo à minha avó com a diferença que lhe tiravam dinheiro do "salário" (miserável) dizendo que era para fazer descontos e quando foram a ver ela não tinha nem um único centimo descontado!! Foi um tio meu que a "enfolhou" e lhe fez os descontos para ela ter uma reforma (que são os tais 240€ também :S) - pior é saber que o nosso "querido" estado DÁ dinheiro a toxicodependentes, DÁ RSI e afins a pessoas que nunca trabalharam nem querem trabalhar mas pessoas como as nossas avós que foram tão trabalhadoras e que sempre fizeram tudo bem são atiradas para o canto.

A mim revolta-me e sou como tu: irracional quanto a este assunto.
Os ditos, continuam a ser uns "senhores" muito importantes da minha zona mas para mim não passam de m***, de escumalha da pior e de gente sem carácter. E espero honestamente que caiam na penuria e que venham a sofrer todo o mal que quiseram.

E eu nem sou de rancores mas o que fizeram aos meus avós é imperdoável. Eles trabalhavam os 2 para eles e o meu avó só não teve esse problema porque morreu muito novo devido a problemas de saude por ter sido maltratado em trabalhos forçados...

por isso sim, espero que morram de uma morte lenta e dolorosa e que toda a riqueza que possuem devido ao mau-trato que deram aos empregados e aos ordenados de miséria e ao ROUBO que fizeram lhes seja roubada de igual forma.